Clara Zetkin, uma homenagem no Dia Internacional da Mulher

A história, de todos e de cada um, é um aparato do tempo e do espaço. Tempo e espaço condicionantes, mas, ao mesmo tempo, questionáveis. A clássica sociologia do século XIX entendeu um fato social como algo exógeno aos indivíduos. E coercitivo a esses. Não veio você para o questionamento de como as coisas são. Elas existem. Venha, sente-se, aprenda e execute. Ah, não concordar é um problema. O jeito certo é esse. Fez-se sempre assim. Faça também. Sim, claro, é seu direito não fazer. Mas as regras existem e são aceitas. Então, a sociedade agirá sobre você. Se quer discordar e fazer de outro modo, então é bom que seja um forte.

            Nascer mulher é um desafio aos fortes. E questionar o fato social de uma sociedade patriarcal é um ato de força. Corria o ano de 1878 e a senhorita Eisner havia concluído seus estudos de professorado há pouco tempo. Naquela tarde, em Leipzig, a jovem professora primária falou sobre seus posicionamentos políticos, durante uma inflamada discussão entre jovens eloquentes.

            – Todas nós somos mulheres. Compartilhamos o mesmo gênero. Mas há diferenças nítidas entre feministas proletárias e feministas burguesas – afirmava a senhorita Eisner.

            – Não temos que ser externamente todas iguais, Clara, mas a essência é a que nos une. Somos mulheres. Nossa luta evoca nossa condição feminina. E isso vem antes de qualquer ideia de luta de classes – retorquiu outra jovem, participante do mesmo grupo de estudiosos dispostos a transformar a ordem das coisas.

            – A luta de classes é intrínseca à condição de todas as mulheres – afirmou enfaticamente Clara Eisner – , pois sem a supressão do modo de produção capitalista, não haverá liberdade a ninguém, e menos ainda às mulheres. O capitalismo não faz das mulheres operárias o seu grande alvo apenas por custarem menos às fábricas, mas também por terem crescido em uma educação opressora que sempre as fragilizou e ainda fragiliza.

            – Uma sociedade não é composta apenas de operárias. O debate deve ser mais amplo e abranger mais da humanidade – falou outro membro do grupo de estudos.

            – Concordo. E nisso estão incluídas também as damas burguesas – completou outro membro do grupo.

            – Todo o palavreado relativo à grande “irmandade” que liga os interesses das damas burguesas aos interesses das proletárias  se desfez como bolha de sabão ao sopro da concepção materialista – concluiu a senhorita Eisner.

            Entre palmas e ausência dessas, falou a jovem professora disposta a questionar o fato social de uma sociedade patriarcal e, claro, capitalista. Não havia apenas mulheres ali. Rapazes também. Reuniam-se para estudar as obras de Marx e Engels. A questão feminista, naquela reunião e em outras de outras partes, não urgia na ordem dos debates. Mas a jovem Clara Eisner já demonstrava a dimensão da luta feminina dentro da luta de classes. Um dos participantes desse círculo de debatedores intelectuais era o professor Ossip Zetkin, que não escondia em seus olhares e comentários que se apaixonara pela jovem Clara. Anos mais tarde se casaram e a jovem Clara Eisner passou a se chamar Clara Zetkin. Mas esta breve narrativa não pretende ser uma história de amor. Na verdade, pretende. Mas não o amor de dois jovens apaixonados. Mas o amor de uma mulher pela luta de classes e pelos direitos femininos.

            Os anos passavam e fervilhavam na Europa. A 2ª Revolução Industrial recriava o mundo a sua imagem e semelhança como uma opulenta divindade. Impérios expandiam-se para além de suas fronteiras e protetorados. Tensões formavam-se entre nações. A concorrência já se fazia insustentável. Inevitável uma guerra. Inevitável foi duas guerras mundiais. Guerras de concorrência. Clara Zetkin não poupou seu ativismo diante de nações beligerantes.

            – Eu lanço um apelo às mães de todo o mundo! Não haverá um genuíno movimento mundial pela paz sem a participação de todas as mulheres, não apenas as operárias. E de todas as mães. A paz será assegurada quando uma maioria esmagadora de mulheres lutarem e aderirem à causa pela paz, pela igualdade, pela liberdade e pela felicidade de toda a humanidade. Juntas, declaremos “Guerra à Guerra” – assim falou inspiradoramente Clara Zetkin, em 1912, por ocasião da Guerra dos Balcãs, e diante da iminência de uma guerra mundial, no Congresso Internacional Socialista ocorrido na cidade de Basileia, na Suíça.

            A mulher que conclamara todas as outras para se unirem em nome da paz acabou presa durante a I Guerra Mundial, pelo governo de Guilherme II, na Alemanha. Mas sua voz já não era mais a da jovem professora primária dos primeiros encontros revolucionários. A essência ali manifestada já atingia milhares de mulheres trabalhadoras e conscientes de sua condição de gênero e de classe. Clara Zetkin já era símbolo de luta política para mulheres inspiradas por sua enorme fortaleza e determinação revolucionária.

            Em 1907, Clara Zetkin editava o jornal feminista e socialista “A Igualdade”. Vivia em Stuttgart, Alemanha. Nesse ano e nessa cidade ocorreu a Primeira Conferência de Mulheres Socialistas. As delegadas dessa Conferência conclamaram, como ideal máximo de luta, “o direito ao sufrágio universal da mulher para as mulheres adultas, sem limitação alguma no que se refere à propriedade, ao pagamento de impostos, ao grau de educação ou a qualquer outra condição que exclua os membros da classe operária do exercício deste direito”.

            Em 1910, na Segunda Conferência de Mulheres Socialistas, ocorrida em Copenhague, Dinamarca, Clara Zetkin propusera uma jornada anual de mulheres.

            – Levantemo-nos. Demarquemos um dia anual de jornada de mulheres em luta pela igualdade de direitos – falou enfaticamente Clara Zetkin.

            – Sim. Levantemo-nos. Deve ser criada uma data para celebrar o “Dia Internacional da Mulher”, seguindo o exemplo proposto pelas camaradas socialistas estadunidenses – afirmou a delegada alemã Luise Zietz.

            A ideia foi aceita e celebrada por todas as delegadas presentes na Conferência. O primeiro “Dia da Mulher” foi comemorado em 19 de março de 1911. Usando a frase de protesto “Sufrágio Feminino Já”, mais de um milhão de mulheres saíram às ruas da Alemanha em nome da igualdade de direitos. O jornal “A Igualdade”, editado por Clara Zetkin, publicava nesta data: “Companheiras, mulheres e meninas trabalhadoras, 19 de março é o vosso dia. É o vosso direito. Detrás de vossas demandas está a Socialdemocracia, todos os trabalhadores organizados sindicalmente. As mulheres socialistas de todos os países são solidárias com vossa luta. 19 de março deve ser vosso dia de glória”.

            Seguindo o exemplo das alemãs, ainda que em dias diferentes, mulheres estadunidenses, suíças, dinamarquesas, austríacas, francesas, holandesas, suecas e russas também foram às ruas de seus países em protestos femininos celebrando o “Dia Internacional da Mulher”.

            Finalmente, demarcou-se o dia 8 de março para celebrar o “Dia Internacional da Mulher”. Essa data faz referência ao protesto de milhares de mulheres russas, no ano de 1917, em Moscou, contra a tirania czarista, contra a participação russa na primeira guerra, contra a fome da população empobrecida e em nome das mulheres russas operárias que lutavam contra a opressão que sofriam.

            Clara Zetkin faleceu no dia 20 de junho de 1933, deixando um legado de luta e resistência para todas as mulheres do mundo.

O Mundo Enem Pré-Vestibular deseja a todas as mulheres um feliz 8 de março. E que essa data possa lembrá-las sempre de seus heroicos protagonismos na história da humanidade.

Clara Zetkin, uma homenagem no Dia Internacional da Mulher
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